Sunday, March 28, 2010

Os fascínios do Capetal

Zé Escurinho faltou o trabalho só para ir ao Banco resolver um probleminha. Lá chegando, teve que passar o cartão na porta giratória e ficou apreensivo com o que podia vir a acontecer. Pois, toda vez era aquela coisa, abre a bolsa, tira tudo que tem dentro, levanta a blusa, dá uma rodadinha, sorri para o guarda e a porta num passe de mágica se abre com a maior naturalidade.


Mas naquele dia foi diferente. Quando passou o cartão, a porta destravou automaticamente, e lá veio uma funcionária daquelas bem elegantes e “superbem” intencionadas lhe oferecendo um cafezinho, uma boa acomodação numa sala com ar- condicionado e tudo. Sentou, pegou o cafezinho, sorveu de uma vez só, devolveu a xícara e depois bateu o espanto. Lembrou que nunca havia acontecido aquilo. Aquela moça saiu da sala e após uns três minutos retornou. Sentou a mesa oferecendo uma cruzada de pernas que fez Zé sentir arrepios. Depois desse golpe entre os joelhos e a cintura, a moça abriu uma gaveta e sacou um cartão de crédito sem limites que apontou em sua direção. Zé já sem fôlego o aceitou e foi assinando uma série papéis que ela ia puxando de uma pasta. Assinou o primeiro, o segundo, o terceiro, tudo isso com uma vontade voraz que quanto mais papel ela puxava, ele assinava e parecia estar fora de si, parecia estar em um transe muito particular.


Nesse momento, Zé Escurinho já estava em outra. Tava há mil. Se transportou para uma loja dessas de eletrodoméstico, pegou o som, um laptop de 10 polegadas, uma TV de LCD, levou a mão ao bolso, pegou o celular e ligou para o marceneiro aprovando um orçamento dado a uns seis meses atrás para iniciar a construção de um armário em sua casa, ligou para o pedreiro para resolver a infiltração do telhado e ao término desse bate-papo, estava numa concessionária fechando negócio com o vendedor, comprou uma moto e um carro, tudo de uma vez só. Quando se deu conta que aquelas coisas todas que estava adquirindo não dariam para ser armazenadas em sua casa, esfregou os olhos.


Dali em diante, percebeu que faltavam apenas três folhas para serem assinadas. Sua visão parecia voltar ao normal e percebeu que aquela linda moça que lhe oferecera a poltrona na sala com ar-condicionado, já não era mais uma moça. Mas sim um homem, branco, alto e barrigudo. Daqueles que ao vê-lo andando na rua dá vontade de rir quando olhamos de relance. Naquele momento, Zé Escurinho caiu na real. Parou de assinar e olhou no fundo do olho daquele senhor sentado a sua frente e entendeu dentro daquele sorriso tímido e amigável, porque sua entrada no banco dessa vez foi diferente de todas as outras que esteve acostumado ao longo de sua vida.


Pois, havia conseguido um emprego que seu salário era equiparável ao daqueles caras que comem queijo com fungos, que bebem vinho amargo (ruim pra cacete) e que fumam cachimbo fedido. Quando essa mistura fez sentido em seu pensamento, pegou toda aquela papelada que havia assinado, rasgou-a, quebrou o tal cartão e foi retomando consciência do seu propósito naquele recinto.


Falou ao senhor que estava em sua frente que havia recebido uma carta em sua casa dizendo que ele teria todas as virtudes que um cliente ode usufruir ao ter atrelado a sua conta o nome de um pintor francês de renome. Não lembrou o nome do sujeito mas foi falando em Renoir, Basquiat.


Nesse momento, o homem do banco apertou um dispositivo sob a mesa que fez um som invadir o ouvido de Zé Pretinho com uma música de fundo “ Vem pra cá, vem pra cá, o que que tem? Você num ta fazendo nada e eu também...”


Zé Pretinho já estava com a vista turva, mais uma vez, sentiu que tudo ia ficando claro de mais. Mas num piscar de olhos recobrou a consciência mais uma vez e decidiu sair correndo. Passou pela porta giratória como um louco e chegou na calçada fora do banco esbaforido com a respiração ofegante e feliz por não ter se rendido aos fascínios do capetal.


leo bento

Realengo. 23 de Março, 2010.

Saturday, March 13, 2010

Sem título

O Blog não morreu, só está respirando
lentamente,
lentamen,
lenta,
len,
...

leo bento
Realengo. 23 de Março, 2010.